segunda-feira, 23 de maio de 2011

Filosofia Moral 2 EM - Colégio MT


Filosofia da Moral
Os valores
Diante de pessoas e coisas, estamos constantemente fazendo juízos de valor. “Esta caneta é ruim, pois falha muito”. “Esta moça é atraente”. “Este vaso pode não ser bonito, mas foi presente de alguém que estimo bastante, por isso, cuidado para não quebrá-lo!” “Gosto tanto de dia chuvoso, quando não preciso sair de casa!” “Acho que João agiu mal não ajudando você”.
Isso significa que fazemos juízos de realidade, dizendo que esta caneta, esta moça, este vaso existem, mas também emitimos juízos de valor quando o mesmo conteúdo mobiliza nossa atração ou repulsa. Nos exemplos, aferimo-nos, entre outros, a valores que encarnam a utilidade, a beleza, a bondade.
Mas o que são valores? Embora a preocupação com os valores seja tão antiga como a humanidade, só no século XIX surge uma disciplina específica, a teoria dos valores ou axiologia (do grego axios, "valor"). A axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se estabelecem entre os seres e o sujeito que os aprecia.
                Diante dos seres (sejam eles coisas inertes, ou seres vivos, ou idéias etc.) somos mobilizados pela afetividade, somos afetados de alguma forma por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Portanto, algo possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. É nesse sentido que Garcia Morente diz:
"Os valores não são, mas valem”. Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A não-indiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao ser. “A não-indiferença é a essência do valer”.
Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós. O mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos comportar a mesa, na rua, diante de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas circunstâncias: como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os comportamentos são avaliados como bons ou maus.
A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido as formas da boa educação ao não ter cedido lugar à pessoa mais velha; ou nos elogiam por sabermos escolher as cores mais bonitas para a decoração de um ambiente; ou nos admoestam por termos faltado com a verdade. Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos ou até sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer que o resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades, desde "aquele" olhar da mãe, a crítica de um amigo, a indignação ou até a coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força).
Embora haja diversos tipos de valores (econômicos, vitais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos), consideraremos apenas os valores éticos ou morais.

A moral

Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com freqüência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa "maneira de se comportar regulada pelo uso", daí "costume", e de moralis, morale, adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes".
Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo significado de costume. Em sentido bem amplo, a moral é o conjunto das regras de conduta admitidas em determinada época ou por um grupo de homens. Nesse sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras do grupo. A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo da concepção de homem que se toma como ponto de partida.
Então à pergunta "O que é o bem e o mal?", respondemos diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores? Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade?
Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências? Têm conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares? Ou, ao contrário, são relativos: "verdade aquém, erro além dos Pireneus", como dizia Pascal? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação das duas posições contraditórias do universalismo e do relativismo?
As respostas a essas e outras questões nos darão as diversas concepções de vida moral elaboradas pelos filósofos através dos tempos.

Caráter histórico e social da moral

        A fim de garantir a sobrevivência, o homem submete a natureza por meio do trabalho. Para que a ação coletiva se torne possível, surge a moral, com a finalidade de organizar as relações entre os indivíduos.
        Inicialmente, consideremos a moral como o conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social.
        É de tal importância a existência do mundo moral que se torna impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras. Uma das características fundamentais do homem é ser capaz de produzir interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês Lévi-Strauss, a passagem do reino animal ao reino humano, ou seja, a passagem da natureza à cultura é produzida pela instauração da lei, por meio da proibição do incesto. É assim que se estabelecem as relações de parentesco e de aliança sobre as quais é construído o mundo humano, que é simbólico.
        Exterior e anterior ao indivíduo há, portanto, a moral constituída, que orienta seu comportamento por meio de normas. Em função da adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou imoral.       
O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar, conforme as exigências das condições nas quais os homens se organizam ao estabelecerem as formas efetivas e práticas de trabalho. Cada vez que as relações de produção são alteradas, sobrevêm modificações nas exigências das normas de comportamento coletivo. Por exemplo, a Idade Média se caracteriza pelo regime feudal, baseado na rígida hierarquia de suseranos, vassalos e servos. O trabalho é garantido pelos servos, possibilitando aos nobres uma vida de ócio e de guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva reside no pressuposto da superioridade da classe dos nobres, exaltando a virtude da lealdade e da fidelidade - suporte do sistema de suserania - bem como a coragem do guerreiro. Em contraposição, o trabalho é desvalorizado e restrito aos servos. Essa situação se altera com o aparecimento da burguesia, a qual, formada pela classe de trabalhadores oriunda da liberação dos servos, estabelece novas relações de trabalho e faz surgir novos valores, como a valorização do trabalho e a crítica à ociosidade.

Caráter pessoal da moral

No entanto, a moral não se reduz à herança dos valores recebidos pela tradição. À medida que a criança se aproxima da adolescência, aprimorando o pensamento abstrato e a reflexão crítica, ela tende a colocar em questão os valores herdados. Algo semelhante acontece nas sociedades primitivas, quando os grupos tribais abandonam a abrangência da consciência mítica e desenvolvem o questionamento racional.
        A ampliação do grau de consciência e de liberdade, e portanto de responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um elemento contraditório que irá, o tempo todo, angustiar o homem: a moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determina como deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e consciente aceitação das normas.
        Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da aceitação pessoal da norma. À exterioridade da moral contrapõe-se à necessidade da interioridade, da adesão mais íntima.
     Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura, e só terá vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for capaz de propor a moral constituinte, aquela que é feita dolorosamente por meio das experiências vividas.
        Nessa perspectiva, a vida moral se funda numa ambigüidade fundamental, justamente a que determina o seu caráter histórico. Toda moral está situada no tempo e reflete o mundo em que a nossa liberdade se acha situada. Diante do passado que condiciona nossos atos, podemos nos colocar à distância para reassumi-lo ou recusá-lo. A historicidade do homem não reside na mera continuidade no tempo, mas constitui a consciência ativa do futuro, que torna possível a criação original por meio de um projeto de ação que tudo muda.
        Cada um sabe, por experiência pessoal, como isso é penoso, pois supõe a descoberta de que as normas, adequadas em determinado momento, tornam-se caducas e obsoletas em outro e devem ser mudadas. As contradições entre o velho e o novo são vividas quando as relações estabelecidas entre os homens. Ao produzirem sua existência por meio do trabalho, exigem um novo código de conduta.
        Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento. Por isso a cisão também pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em que só o indivíduo livre e responsável é capaz de decidir. Há certas "situações-limite", tão destacadas pelo existencialismo, em que regra alguma é capaz de orientar a ação. Por isso é difícil, para as pessoas que estão "do lado de fora", fazer a avaliação  do que deveria ou não ser feito.


Caráter social e pessoal da moral

Como vimos, a análise dos fatos morais nos coloca diante de dois pólos contraditórios: de um lado, o caráter social da moral, de outro, a intimidade do sujeito. Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, sucumbimos ao dogmatismo e ao legalismo. Isto é, ao caracterizar o ato moral como aquele que se adapta à norma estabelecida, privilegiamos os regulamentos, os valores dados e não discutidos. Nessa perspectiva, a educação moral visa apenas inculcar nas pessoas o medo às conseqüências da não-observância da lei.
        Trata-se, no entanto, de vivência moral empobrecida, conhecida como farisaísmo: numa passagem bíblica, um fariseu (membro de uma seita religiosa) louva o seu próprio comportamento, agradecendo a Deus por não ser "como os outros" que transgridem as normas. Tal formalismo muitas vezes está ligado a pretensão e à hipocrisia.
        Por outro lado, se aceitarmos como predominante a interrogação do indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos o risco de destruir a moral, pois, quando ela depende exclusivamente da sanção pessoal, recai no individualismo, na "tirania da intimidade" e, conseqüentemente, no amoralismo, na ausência de princípios. Ora, o homem não é um ser solitário, um Robinson Crusoé na ilha deserta, mas "convive" com pessoas, e qualquer ato seu compromete os que o cercam.
        Portanto, é preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e do social numa relação dialética, ou seja, numa relação que estabeleça o tempo todo a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa da interdição.
        Para tanto, o aspecto social é considerado sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, significa apenas a herança dos valores do grupo, mas, depois de passar pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na intersubjetividade essencial da moral. Isto é, quando criamos valores, não o fazemos para nós mesmos, mas enquanto seres sociais que se relacionam com os outros.
        Essa questão é importante sobretudo nos tempos atuais, quando nos encontramos no extremo oposto das sociedades primitivas ou tradicionais, nas quais persiste a homogeneidade de pensamento e valores. Hoje, nas cidades cosmopolitas, há múltiplas expressões de moralidade, e a sabedoria consiste na aceitação tolerante dos valores dos grupos diferentes, evitando o moralismo, que consiste na tentação de impor nosso ponto de vista aos outros.
        Isso não deve ser interpretado como defesa do extremo relativismo em que todas as formas de conduta são aceitas indistintamente. O professor José Arthur expressa: "Os direitos do homem, tais como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima, tornando os imperativos categóricos dela como um momento particular do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem direitos humanos fundamentais.

Conclusão

        O delicado tecido da moral diz respeito ao indivíduo no mais fundo de seu "foro íntimo", ao mesmo tempo que o vincula aos homens com os quais convive.
        Embora a ética não se confunda com a política, cada uma tendo seu campo específico, elas se relacionam necessariamente. Por um lado, a política, ao estender a justiça social a todos, permite a melhor formação moral dos indivíduos. Por outro lado, as exigências éticas não se separam da ação dos governantes, que não devem interpor seus interesses pessoais aos coletivos.
         Estabelecer a dialética entre o privado e o público é tarefa das mais difíceis e exige aprendizagem e têmpera. É assim que se forja o caráter das pessoas.
(Maria Lucia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins – Introdução a Filosofia)

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